quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Uma caixa cheia de...mudanças!

Começou a recolher as coisas do quarto. Gavetas, armários, caixas de papelão. A trilha sonora ao fundo era gypsy kings, que emendou sem querer num outro som que ouvia. Cadernos antigos, chaves de outras moradias, papéizinhos com escritos - Caramba, tenho um molho de chaves das casas onde vivi - pensou ela. Será que abrirei de novo as portas dessas casas? Foi abrindo gavetas e encontrando uma multidão de lembranças, de poemas, desenhos, lágrimas e um sorrisinho foi se abrindo no peito. Não é possível saber de si sem saber dos outros, mais um pensamento que a invadiu. Bilhetes de um amor antigo a fez pensar que os bons encontros deixam rastros dignos de se recuperar - Quanta coisa bonita escrita aqui - disse a si mesma. Sentiu vontade de escrever aos amores antigos que aqueles bilhetinhos dariam um livrinho piegas e apaixonante. Deu vontade de agradecer a vida por viver esses encontros. Ela agora está enroscada em um amor que não percebe bilhetinhos, ele esqueceu de novo o último que ela escreveu pra ele. Ficou um pouco murmuriada com isso, mas depois entendeu que os bilhetes desse amor são diferentes, escritos em outro tipo de papel. Ela ainda está pra ver se gosta. Parece que sim, estranha que sim, se ressabia se não. Mas será que tem que saber assim sabendo de tudo das coisas? O que remexeu ela foi encontrar no fundo do armário um amor engarrafado. Foto dum outro tempo, presa numa garrafinha. Sorriu e pensou: Isso só sai daqui quebrando. Ainda não encaixotou o amor engarrafado, está lá no armário esperando a hora certa de sair, o lugarzinho certo em suas caixas cheia de..."Cajas llenas de", é o nome do poema que conheceu através das caixas cheias de...amigas. Que dia bonito foi aquele, lembrou que queria escrever sobre aquele dia, mas precisava cuidar das suas próprias caixas cheias de...mudanças!

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Um dia acordou como se soubesse que uma outra vida começara. Colocou uma música, foi até o quintal e olhou pro céu. Sentia algo que não sabia dizer, mas intuia que alguma mudança estava porvir. Algo radical talvez, estranho, novo, uma quebra nos seus arranjos afetivos mais conhecidos. Sentiu saudades dessa vida desconhecida. A música embalava essa sensação, a provocava também, ela não sabia, só sentia. Ela nunca tinha visto de verdade os olhos dele. Olhou para as fotos, olhou de novo e pensou: Por que eu não enxerguei esses olhos? olhos caídos, quietos, angustiados, que não a olhavam de verdade, que não pareciam pertencer a nenhum instante. Foi quando ela começou a se questionar sobre uma possível cegueira. Ela teve medo de ter passado muito tempo cega. Sentiu um pouco de vergonha da sua cegueira, como se fosse boba de ter pensado ter visto tanta coisa. Os olhos dele a intrigavam, faziam perguntas, traziam respostas, mas os olhos dele não eram como os olhos de um gato. O olhar do gato está sempre presente no acontecimento, ele é, existe no aqui e agora do momento em que nos olhamos. O olhar do gato nos olha, pensava ela. Os dele não, os dele pareciam não vê-la, só que não era nada óbvio, era tudo mais complexo. Um dia ela lembrou da infância, outro da adolescência e outro de alguns encontros amorosos que teve já nos seus 20 e poucos anos. Ela despertou o fantasma que dormia quieto nas profundezas da sua alma. Fazia tempo que o fantasma dormia e da sua presença ela só escutava seus roncos e ruídos, essenciais para ela manter seu estado de atenção. Será que a cegueira dela foi tão intensa que perturbou seus outros sentidos? Ela esqueceu que o fantasma dormia, já nem o ouvia mais, por isso tomou um susto muito intenso quando ele despertou. O medo voltou a caminhar com ela. O fantasma despertou outros e estes chegaram em comitiva até ela. Ela decidiu correr. Bordou suas roupas de dança de forma tão intensa, atenta, séria, com muita dificuldade e esperança, que parecia bordar o manto que vestiria a deusa. Bordou como se preparasse o enxoval da partida, da fuga. Quando terminou ela respirou, pediu ajuda ao mundo desconhecido, mas sem nenhuma intimidade, meio sem jeito, sem saber como pedir, o que falar, pra onde olhar. Depois sentou na esquina da rua, ansiosa, pois sabia que por ali passavam caravanas ciganas que transitavam pela vida ora por desejo, ora por expulsão. Construiam seus territórios sob estas condições: desejo e expulsão. A caravana não passava. A lembrança dos olhos dele a atormentava, ela precisava fugir, pois um dos fantasmas despertos a fazia imaginar que tivesse culpa por aquele olhar. Ficou sentada ali, perdida, o choro não aparecia, era mais susto que lágrima. O susto fazia com que ela permanecesse em alerta, pronta para o que desse e viesse. O choro, naquele momento, a juntaria aos fantasmas. Nessa hora ela lembrou da sua bicicleta e pensou em buscá-la para ir de encontro as caravanas, pensou em encurtar o tempo. Só pensava em fugir dos olhos dele. Pegou silenciosamente sua bicicleta, colocou sua roupa bordada na cesta e foi, pedalando, pedalou, pedalou e quando estava quase esgotada encontrou um ser misterioso. Ela o viu de longe, freou rapidamente, sua visão ficou turva, teve dificuldade pra enxergar se era alguém conhecido ou desconhecido. Escutou um assovio, uma música talvez. Isso fez com que ela parasse de respirar ofegante e tomasse coragem de chegar mais perto. Colocou a bicicleta num canto e foi chegando perto, bem perto. Ele a chamou pelo nome, pegou na mão dela, sorriu, disse que fazia tempo que a esperava. Quase não acreditou. Os olhos dele eram tão sinceros, doces, apaixonados, envolventes. Naquele momento ela esqueceu de tudo e só aquele momento existia em sua vida, aquele encontro, aquele mistério, aquele olhar que a fazia ter a sensação de que não precisaria mais fugir. A boca, as mãos, as pernas, o quadril, tudo tremia, suavemente, mas tremia, uma prazeroza tremedeira que tomou conta de seu corpo. O olhar dele, o jeito que ele pegou em sua mão, o modo como a abraçou. Fazia tanto tempo que ela não sentia algo assim. Revisitou a leveza, a paixão, a sedução, o cuidado e o carinho. Aquela noite foi de olhares longos, sensações imensas, quase infinitas. A manhã veio, ele se foi, ficou ela e a bicicleta. O dia amanheceu e sentiu fome, pensou em voltar pra casa, mas ela estava longe, longe demais pra voltar. O sol iluminava seu rosto, sentiu-se bonita novamente. Teve vontade de rir, de rir de si mesma, do que percebeu ser capaz. Deixou a bicicleta ali mesmo, prefiriu ir andando, sentindo cada pedacinho do seu corpo, aprendendo a curar a cegueira com a respiração, com o vento no rosto, com o som dos pássaros, com o sabor daquela noite na sua boca. Continuou andando...

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Mulher, você é livre,
desde que seu corpo não seja estranho.
Você que é libertária assuma  pra si mesma a possibilidade de não viver relação heterossexual monogramica. Isso é um possível, te digo junto com as minhas visceras mais sinceras.
Mulher, livre, zingarina a la tony gatlif. Corpo despadronizado, beleza complexa e racionalidade não instrumental. Prepara-se: no tengas miedo, niña, o seu desejo monogâmigo vai ter que buscar outras bordas.
Quedate bién, niña, sola, com seus amigos, com suas canções. Dance, dance mulher Pina, se não tu estarás perdida. Política nenhuma te salvará de si mesma. Dance, e ao invés de recolher os ossos, recolha os gestos. Faça deles alimento, potência. Deguste os gestos presentes. Bom apetite!

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Amor, palavra de ordem nos meus suspiros...
as palavras estão todas soltas,
vontade, desejo, saudade, solidão, carinho, esperança, coragem...
essas palavras enfraquecidas de corporeidade, todas elas meio papelanizadas,
com suas forças violadas, deslocadas...
Amor meio novela das oito, meio filme cult, meio vinicius de moraes também, mas meio bukowski não,
nem meio kundera na insustentável leveza do ser
Quero sustentar leveza, esse é meu imperativo no momento!
Só que isso é coisa que se inventa, coisa se cria, coisa que se partilha, coisa que nem coisa é, mas é coisa de dois, pode até ser de três, de quatro...
Amor, chegue mais perto,
vem com braços, cheiros, vem com passos, começando traços,
sem vergonha de ser piegas, clichê, brega e tudo aquilo que aparentemente se despreza,
vem assim, simples, simples de tudo, sem métrica, rima, sem vanguardas...
só se sendo, quem sabe assim se sendo você se fosse pra estrada e me visse aqui desesperada de desejo de que a gente sêsse de novo mais um pouco...






segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Há momentos em que a saudade dói tanto que é preciso lembrar de esquecer, esquecer de lembrar, como diz a música. O viver é uma crônica que se tece dia-a-dia de mãos dadas a um coletivo de detalhes. Por ora, meus detalhes mais fundamentais dos últimos dez anos estão quietos e guardados em um pedacinho de sonho que um dia fora compartilhado. Não me queixo. Desabafo. E teimo nisso. Busco logo outros coletivos de detalhes para se envolverem com esses antigos. Tento lembrar de produzir diariamente sentidos para a minha caminhada, são eles que me fazem andar, permanecer, encontrar as duras penas de uma escolha, e ainda assim sentir-se merecedora desse movimento.

com amor, agradeço!



Enquanto caminha a barca,
sigo o meu caminho,
sento no mato,
olho o mar,
a ponte,
e sinto minha vista um pouco turva,
sinto felicidade e privilégio,
agradeço e aprendo,
mas minha solidão me conta algo de novo,
ela aparece quando quero compartilhar
as coisas belas que meus olhos veem,
é como se ela dissesse:
Seus olhos e seu corpo não são os únicos merecedores de tamanha beleza.

Uma tarde mirando a baia de guanabara.



terça-feira, 25 de junho de 2013

Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
Fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
Tenho outras de ser sozinha.



 Cecília Meireles